O leilão da Rota da Celulose no Mato Grosso do Sul encerrou uma sequência de tentativas sem êxito com um resultado que surpreendeu o setor de infraestrutura. Após ajustes substanciais no modelo contratual, o certame trouxe uma competição vigorosa entre quatro consórcios, demonstrando apetite renovado do mercado por projetos rodoviários com maior previsibilidade.
O Consórcio K&G Rota da Celulose, formado por K-infra e Galápagos, saiu vencedor ao oferecer um desconto de 9% na tarifa máxima de pedágio. Esse percentual superou propostas de três adversários que disputaram lance a lance, expondo o interesse em um ativo visto com cautela há poucos meses.
Além da proposta comercial, o consórcio assumiu o compromisso de pagamento de outorga fixa de mais de R$ 200 milhões ao Estado, assegurando contrapartida imediata ao poder público. O pacote de investimentos estipulado ultrapassa R$ 6 bilhões e será acompanhado de custos operacionais projetados em mais de R$ 3 bilhões ao longo de 30 anos.
A reinvenção de um projeto
A nova modelagem contratual foi cuidadosamente redesenhada após o insucesso do leilão anterior. Sob coordenação do Ministério do Transporte e apoio do governo estadual, o projeto ganhou reforços em garantias jurídicas, previsibilidade de retorno e distribuição clara de riscos, atraindo players de perfis diversos.
O detalhamento das obrigações, que incluem duplicação de 146 km, manutenção contínua, monitoramento operacional e inovação tecnológica ao longo dos 870 km de concessão, funcionou como alicerce para a aceitação do mercado.
Especialistas atribuem esse resultado ao amadurecimento dos mecanismos de concessão rodoviária. A presença de quatro grupos com diferentes perfis financeiros demonstra que ajustes técnicos e jurídicos bem calibrados conseguem reverter cenários desinteressantes.
Concorrência franca
A competitividade acirrada foi reconhecida pelos próprios participantes. O Consórcio Caminhos da Celulose, liderado pela XP e construtoras, chegou a apresentar deságio de 8%, seguido por propostas do BTG e da Rotas do Brasil, com percentuais inferiores.
Essa disputa é considerada um termômetro relevante para avaliar o interesse do mercado por concessões rodoviárias regionais, que tradicionalmente demandam equilíbrio entre tarifa e custos operacionais. A forte presença de grupos financeiros e investidores especializados evidencia uma leitura pragmática da atratividade do ativo.
O Ministério do Transporte avaliou positivamente a condução do processo, ressaltando que a realização do leilão na B3 garantiu transparência plena, aprofundamento na verificação documental e assegurou ambiente isento para disputa técnica e financeira.
Reputação sob análise
Apesar da vitória, o histórico das empresas integrantes do consórcio vencedor levanta questionamentos no setor. A K-infra, controlada pelo Group K2 Holding e pelo Group 2GK LLC Group Holdings, possui passagens turbulentas no Brasil. Em 2018, assumiu a concessão da Rodovia do Aço, trecho entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, atualmente sob processo de caducidade declarado pelo governo federal.
Embora a K-infra mantenha operação da rodovia graças a decisão judicial, o caso expôs desafios de governança e descumprimentos contratuais. A empresa alega que os problemas decorrem do impacto da pandemia e da retração econômica, defendendo que a caducidade da BR-393 ainda aguarda decisão definitiva.
O episódio contribuiu para a reputação controversa do grupo no país, especialmente após negociações fracassadas envolvendo a Linha 6-Laranja do Metrô, quando sua estrutura societária gerou desconfiança no mercado por ausência de clareza nos fundos americanos envolvidos.
Galápagos estreia no setor rodoviário
A Galápagos, por sua vez, faz sua estreia em concessões rodoviárias com o projeto da Rota da Celulose. Reconhecida no mercado financeiro, a gestora administra ativos superiores a vinte e sete bilhões, com atuação consolidada em fundos estruturados.
Os recursos para o novo projeto serão provenientes de fundo específico, com perfil de cotistas amplamente pulverizados, incluindo investidores nacionais e estrangeiros. Essa estrutura deverá assegurar robustez financeira ao projeto e mitigar riscos de concentração.
A decisão de ingressar no setor rodoviário foi vista com interesse por analistas, que observam a ampliação de portfólio da gestora para além de seus segmentos tradicionais. Trata-se de uma aposta em ativos de infraestrutura, setor que exige expertise operacional rigorosa e maturação de investimentos em longo ciclo.
Lições do leilão
O êxito da disputa reforça lições importantes para o mercado. O histórico recente do setor rodoviário brasileiro mostra que concessões bem calibradas em termos de matriz de riscos, retorno adequado e garantias jurídicas são fundamentais para atrair operadores e financiadores.
Além disso, o ambiente competitivo exposto pelo leilão evidenciou que a presença de players financeiros especializados ajuda a democratizar o acesso ao capital, dinamizando o setor. O modelo adotado na Rota da Celulose pode servir como referência para projetos futuros, especialmente em regiões com características logísticas complexas.
O peso da regulação estadual
Uma peculiaridade do projeto é a condução da regulação pela agência estadual, mesmo envolvendo trechos federais e estaduais. Essa decisão buscou simplificar processos, centralizar responsabilidades e evitar disputas jurídicas prolongadas entre esferas governamentais.
Especialistas apontam que o arranjo pode acelerar a resolução de conflitos e facilitar a gestão do contrato, desde que mantido o rigor técnico nas fiscalizações. O modelo será observado com atenção em outros projetos que contemplem rodovias interestaduais.
Contrato mais moderno
O Ministério do Transporte enfatizou que o contrato da Rota da Celulose apresenta cláusulas modernas e dispositivos rigorosos de enforcement, diferenciando-se de contratos antigos, como o da Rodovia do Aço. A avaliação da pasta é que o modelo atual eleva o nível de segurança para usuários e investidores.
A expectativa do setor é que o cumprimento das obrigações contratuais seja monitorado de maneira criteriosa, evitando a repetição de episódios como o da BR-393, cuja judicialização prolongada trava a relicitação do trecho.
Perspectivas cautelosas
Apesar da boa receptividade do leilão, fontes do mercado avaliam com prudência a execução do contrato. O histórico recente de judicializações e caducidades em concessões rodoviárias exige que operadores adotem práticas de governança robustas, aliadas a gestões operacionais eficientes.
A trajetória da K-infra será observada pelo setor, que aguardará os desdobramentos do processo judicial envolvendo a Rodovia do Aço para entender o grau de compromisso da empresa com contratos vigentes.
Ao mesmo tempo, a entrada da Galápagos no setor traz uma nova perspectiva financeira ao mercado, diversificando os perfis de investidores presentes em concessões rodoviárias e ampliando o leque de players com capital e interesse por ativos longos.
FAQ – A disputa sob novas lentes
1 – Qual foi a principal inovação do leilão da Rota da Celulose? A revisão do modelo contratual, com ajustes nas garantias jurídicas, na matriz de riscos e nas projeções financeiras, tornou o ativo mais atrativo ao mercado, permitindo uma disputa competitiva entre quatro consórcios.
2 – Por que a K-infra enfrenta questionamentos no mercado brasileiro? A K-infra enfrenta processo de caducidade da concessão da Rodovia do Aço por descumprimentos contratuais. O caso gerou desconfiança sobre sua governança e capacidade operacional, impactando sua reputação no setor.
3 – Como a Galápagos está estruturando seu ingresso no setor rodoviário? A Galápagos utilizará recursos de fundo específico, com cotistas pulverizados, para financiar o projeto da Rota da Celulose, marcando sua primeira atuação no segmento de concessões de rodovias.
4 – Qual é a relevância da regulação estadual no contrato da Rota da Celulose? A regulação ficou sob responsabilidade da agência estadual, buscando centralizar processos, reduzir burocracias e simplificar a gestão do contrato, mesmo envolvendo trechos federais.
5 – Quais são as perspectivas do setor em relação ao projeto? O mercado avalia de forma positiva a competição do leilão, mas manterá atenção rigorosa ao cumprimento das obrigações contratuais, especialmente considerando o histórico das empresas envolvidas.