O projeto do Tecon 10, previsto para ocupar uma área de mais de 420 mil metros quadrados no Porto de Santos, tem ganhado atenção com as movimentações administrativas, jurídicas e institucionais que envolvem sua licitação.
No fim de maio, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União formalizou um pedido à Antaq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários e ao Ministério dos Portos e Aeroportos para que o processo de leilão do terminal seja interrompido até a conclusão da análise do mérito pelo TCU. O centro da contestação está na modelagem adotada pela Antaq, especialmente no que diz respeito à participação de empresas armadoras que já operam no porto.
[H2] Critérios de exclusão sob questionamento
O edital de licitação propõe que, na primeira fase, armadores com operações já estabelecidas no Porto de Santos não possam apresentar propostas. Na prática, isso impede a participação de conglomerados como a MSC e a Maersk, duas das maiores companhias de navegação mundial, que detém participação societária no terminal BTP, também localizado em Santos.
O argumento da Antaq é o de fomentar um ambiente mais competitivo e evitar concentração de mercado. Segundo os estudos da agência, o modelo favorece a entrada de novos operadores, o que traria ganhos à concorrência. A previsão é de que, caso nenhum novo entrante apresente oferta válida, uma segunda fase seja aberta, permitindo a participação dos armadores previamente excluídos.
Essa lógica, porém, não tem sido recebida com consenso entre os operadores do setor nem entre as autoridades de controle. O Ministério Público vê na restrição uma possível violação ao princípio da isonomia, além de potenciais prejuízos à valorização do ativo público em jogo. Segundo o órgão, limitar previamente a participação de determinados grupos afeta diretamente o alcance competitivo e, por consequência, a arrecadação e eficiência do processo de desestatização.
Ausência de juízo sobre mérito
O Ministério dos Portos e Aeroportos confirmou que os estudos da Antaq foram aprovados após audiência pública e análise técnica. Contudo, deixou claro que não emitiu qualquer avaliação sobre a pertinência da restrição imposta no edital. Esse ponto, por ora, permanece sob a alçada do TCU, que analisará a conformidade da modelagem com os princípios legais e administrativos que regem as licitações públicas.
Na visão da Antaq, a hipótese de um novo entrante liderando a operação do terminal é a mais benéfica para o sistema portuário, pois reduziria riscos de concentração de mercado. Ainda assim, reconheceu que os riscos de atuação de operadores dominantes poderiam ser mitigados com ajustes regulatórios, mas optou pela exclusão direta na primeira etapa como salvaguarda inicial.
Riscos à competição ou restrição indevida
No núcleo das divergências está o debate sobre o conceito de concorrência em infraestrutura portuária. A exclusão de empresas com conhecimento operacional e capacidade de investimento pode afastar competidores experientes, reduzindo a atratividade econômica do leilão. Ao mesmo tempo, permitir a concentração em grupos que já detêm forte presença no porto de Santos pode comprometer a diversidade operacional e a formação de preços no setor.
O histórico do setor portuário brasileiro já demonstrou os riscos associados à baixa concorrência. Desde a edição da nova Lei dos Portos, o país tem buscado promover modelos que ampliem a participação de operadores, mesmo que com barreiras regulatórias pontuais. A judicialização da licitação do Tecon 10, nesse sentido, recoloca em pauta os limites da atuação regulatória frente à livre iniciativa e à busca por eficiência na gestão do patrimônio público.
Saboó no centro do mapa logístico
O Tecon 10 será implantado na região do Saboó, um dos pontos logísticos mais relevantes dentro do porto santista. A área terá 1.300 metros de cais e capacidade prevista para movimentar até 3,5 milhões de TEUs a partir de 2034. A entrada em operação está estimada para 2027.
A projeção da Antaq indica um crescimento de até 50% na movimentação total de contêineres no porto, reforçando o papel de Santos como principal centro logístico portuário do Brasil. O investimento previsto supera R$ 5 bilhões, e o projeto se tornou o mais ambicioso entre os planejados pelo Ministério dos Portos e Aeroportos desde o início do novo ciclo de concessões.
Convergência institucional em espera
A ausência de definição sobre a legalidade da modelagem imposta ao edital gera incertezas quanto aos próximos passos. O TCU será responsável por deliberar sobre a pertinência ou não da exclusão de armadores na primeira fase da concorrência. Essa decisão será determinante para o calendário da licitação e para o posicionamento dos potenciais interessados.
Para o Ministério Público, a urgência do pedido de suspensão tem caráter preventivo, uma vez que a manutenção do edital nos moldes atuais pode comprometer o resultado final e gerar litígios mais onerosos futuramente. O órgão também alertou para a necessidade de aprofundar a análise dos critérios adotados pela Antaq, com foco na aderência ao interesse público e aos princípios da administração.
O mercado em compasso de espera
Grandes operadores, investidores institucionais e analistas do setor acompanham com atenção o desenrolar do caso. A incerteza jurídica no entorno do leilão gera cautela em potenciais participantes, sobretudo aqueles que estariam interessados na segunda fase da disputa.
A Antaq ao defender a exclusão dos principais armadores foi recebida com reservas por parte do mercado. Críticos apontam que a restrição não está amparada por elementos técnicos robustos e que, em vez de ampliar a concorrência, poderia comprometer a liquidez do certame e a qualidade da proposta vencedora.
Assim, o processo do Tecon 10 entra agora em um momento decisivo. A atuação do TCU poderá definir o destino do leilão e, por extensão, o modelo que será replicado em outras concessões portuárias em andamento.
A tensão entre garantir um ambiente competitivo e assegurar a livre concorrência seguirá como pano de fundo das discussões, e a eventual reconfiguração do edital poderá alterar o leque de interessados e também a modelagem econômica e jurídica da concessão.
Enquanto isso, a licitação do Tecon 10, inicialmente tratada como um marco na ampliação da capacidade portuária do país, tornou-se também um teste de maturidade institucional no trato da infraestrutura pública.
FAQ
1 – Qual é o motivo do pedido de suspensão da licitação do Tecon 10? O Ministério Público junto ao TCU solicita a suspensão do processo para que seja avaliada a legalidade da restrição imposta aos armadores já atuantes no Porto de Santos. A exclusão prévia desses grupos pode comprometer a concorrência e o valor do ativo público a ser concedido.
2 – O Ministério dos Portos e Aeroportos aprovou o edital da Antaq? O Ministério validou os estudos técnicos elaborados pela Antaq, mas não emitiu qualquer juízo sobre o mérito da restrição concorrencial. Essa análise será feita exclusivamente pelo TCU.
3 – Quando o Tecon 10 deve entrar em operação e qual será sua capacidade? O terminal deverá entrar em operação em 2027. A capacidade projetada é de 3,5 milhões de TEUs por ano a partir de 2034, com investimento estimado acima dos R$ 5 bilhões.