O governo federal apresentou uma proposta para a renovação antecipada do contrato da Ferrovia Centro-Atlântica, controlada pela VLI, sociedade formada por Vale, Brookfield, Mitsui e BNDESPar. Com validade até agosto do próximo ano, a atual concessão poderá ser prorrogada por mais 30 anos, caso as exigências da União sejam aceitas.
Entre os principais pontos da proposta está a obrigatoriedade de manutenção e requalificação de mais de 1.100 km de ferrovia que conectam Minas Gerais à Bahia, um trecho que a operadora pretendia devolver. O governo reverteu essa possibilidade, considerando o risco logístico ao transporte ferroviário de cargas no território baiano, cuja interdependência regional tem crescido nas últimas décadas.
A proposta introduz um novo modelo de responsabilização para trechos devolvidos e reformula o escopo da atuação privada no setor ferroviário, priorizando fluidez nas autorizações e redução de entraves burocráticos.
Trechos devolvidos e novas diretrizes de uso
Está prevista a devolução de mais de 3.000 km de malha ferroviária abandonada, que será retomada pela União. A condução desses trechos abandonados passará a seguir um modelo baseado em autorizações ferroviárias, e não em concessões tradicionais.
O diferencial está na agilidade proporcionada por esse mecanismo. Ao permitir que empresas privadas solicitem diretamente o uso de trechos ociosos, o governo busca acelerar a retomada da operação ferroviária em áreas onde não há viabilidade sob o modelo de concessão. Essa transição exige cuidado regulatório, mas tem potencial para ampliar a participação do setor privado em rotas complementares e regionais.
O governo avalia que, sob essa lógica, será possível ampliar o uso da malha ferroviária com menor dependência de licitações demoradas, redistribuindo o protagonismo operacional para empresas que demonstrem interesse imediato e capacidade técnica comprovada.
Compensações e compromissos financeiros
A proposta inclui um conjunto de compensações financeiras por parte da VLI. A empresa deverá pagar cerca de R$ 5 bilhões como indenização pelos trechos devolvidos, valor que será destinado a novos projetos ferroviários sob coordenação da União. A operação contempla, ainda, o repasse adicional de R$ 3 bilhões, valor que se divide entre outorga e adicional de vantajosidade.
A outorga refere-se ao valor pago pela concessionária para manter o direito de explorar economicamente a ferrovia. Já o adicional de vantajosidade é uma exigência da administração pública para justificar a renovação antecipada, demonstrando que ela oferece mais retorno à sociedade do que uma nova licitação.
Esses montantes compõem um conjunto de exigências financeiras alinhadas à lógica do custo-benefício e da viabilidade econômica de longo curso. O modelo introduz parâmetros mais claros para mensurar a vantajosidade de prorrogações e tende a balizar futuras renovações contratuais no setor ferroviário.
Investimentos estimados e obrigações de desempenho
A renovação impõe à VLI o compromisso de investir cerca de R$ 40 bilhões ao longo dos próximos 30 anos. Os aportes serão distribuídos nos trechos mantidos pela concessionária, contemplando intervenções em infraestrutura, manutenção, modernização de sistemas e reforço da operação integrada.
O volume de investimentos exigido insere a concessão em uma nova lógica contratual, na qual os compromissos de performance devem ser observados com maior rigor, e a omissão será passível de punições regulatórias.
Espera-se que os projetos contemplem melhorias na capacidade de escoamento, aumento da segurança operacional, interoperabilidade com outras rotas e modernização tecnológica. A inclusão do trecho entre Bahia e Minas, anteriormente excluído dos planos da empresa, amplia a responsabilidade territorial e técnica da concessionária.
Ponto de mediação no TCU
A proposta, caso aceita pela VLI, será encaminhada à Secretaria de Consenso do Tribunal de Contas da União, órgão responsável por analisar os termos do acordo e evitar potenciais litígios entre o Estado e a concessionária.
A atuação do TCU nesse caso é considerada técnica e preventiva. A secretaria tem a atribuição de avaliar a legalidade e a viabilidade econômica do acordo, com foco na preservação do interesse público e na redução de passivos judiciais.
Esse trâmite de mediação vem ganhando força nos contratos federais com o setor privado e permite que as negociações avancem com maior previsibilidade, tanto para o governo quanto para as empresas.
Renovação e o novo ciclo regulatório
O processo da Ferrovia Centro-Atlântica reforça um movimento do governo em direção a um novo ciclo regulatório, mais claro, com exigências bem definidas e uma lógica voltada para resultados mensuráveis.
A renovação não é automática e depende do atendimento a uma série de critérios técnicos, jurídicos e econômicos. Esse novo momento, tende a impactar o modo como os contratos ferroviários serão avaliados e renegociados nos próximos anos.
A separação entre trechos economicamente viáveis e trechos abandonados, além da imposição de investimentos mínimos e compensações financeiras, estabelece uma matriz mais exigente de contrapartidas para concessionárias interessadas em prolongar sua atuação.
Consequências logísticas regionais
A Bahia foi o ponto de atenção do governo nessa negociação. A proposta visa evitar o isolamento ferroviário do estado, o que comprometeria o fluxo de cargas e encareceria o transporte de insumos e produtos em diversos setores.
Ao condicionar a renovação à manutenção e modernização do trecho entre Bahia e Minas, a União tenta preservar a conectividade logística interestadual e estimular a integração do transporte ferroviário com modais complementares.
A decisão tem reflexo direto nas operações industriais, agrícolas e mineradoras da região, que dependem de uma malha ativa e funcional para se manterem competitivas em termos de frete, tempo e previsibilidade.
Reconfiguração do mercado ferroviário
A adoção do modelo de autorizações nos trechos devolvidos, em contraponto às concessões convencionais, tem potencial para reconfigurar o mercado ferroviário nacional. Ao eliminar etapas burocráticas, abre espaço para pequenos e médios operadores logísticos, que até então enfrentavam barreiras regulatórias para entrar no setor.
Esse modelo não substitui as grandes concessões, mas amplia as possibilidades de operação regional e cria um ecossistema com múltiplos agentes em atividade. Para que isso ocorra, será necessário assegurar mecanismos de controle, fiscalização e padronização da infraestrutura cedida.
O desenho atual da proposta permite esse duplo movimento: manutenção de grandes concessões em corredores logísticos centrais e ampliação da participação privada em malhas regionais e ramais esquecidos.
FAQ com visão técnica e regulatória
1 – A renovação da FCA elimina a possibilidade de novas licitações? Não. A proposta inclui apenas os trechos que a VLI continuará operando, mediante compensações e novos investimentos. Os demais serão retomados e poderão ser concedidos a outras empresas por autorizações, inclusive via licitação, se houver interesse.
2 – Qual o impacto da exigência de manutenção do trecho Bahia-Minas para a VLI? A exigência amplia o escopo da operação e eleva os custos de manutenção e modernização. No entanto, evita que a Bahia fique desassistida de infraestrutura ferroviária, o que era uma preocupação central do governo.
3 – O que diferencia concessão de autorização ferroviária? A concessão envolve licitação pública, contrato de longo prazo e controle mais intenso do Estado. Já a autorização é concedida de forma mais rápida, com menor intervenção estatal, sendo voltada a trechos menos atrativos ou abandonados.