A construção da usina nuclear Angra 3, iniciada em 1984 e paralisada diversas vezes desde então, está novamente em estudo técnico e orçamentário. A expectativa de retomada em 2025 depende agora de uma revisão completa na modelagem financeira do projeto, exigida após a formalização da saída da Eletrobras do consórcio.
A decisão, já homologada entre a empresa e a União, gerou um impasse no modelo de financiamento originalmente proposto pelo BNDES, que previa 10% de capital próprio dos acionistas e 90% em dívida. Com a Eletrobras fora do empreendimento, os cálculos precisam ser refeitos, desta vez com a ENBPar como única investidora direta.
O MME – Ministério de Minas e Energia defende abertamente a retomada da obra, argumentando que o custo anual de manutenção dos equipamentos adquiridos gira em torno de R$ 200 milhões e que o país precisa ampliar sua capacidade de geração nuclear. Mas, até que os ajustes sejam feitos e o novo estudo do BNDES seja concluído, o cronograma segue indefinido.
Acordos rompidos e pressões internas
A ausência de consenso entre os ministérios que compõem o CNPE – Conselho Nacional de Política Energética, adia qualquer decisão definitiva. Enquanto o Ministério da Fazenda questiona a viabilidade orçamentária, o Ministério do Meio Ambiente reforça objeções ambientais. A Advocacia-Geral da União, por sua vez, já foi acionada para acompanhar as tratativas.
A Eletronuclear, responsável pelo projeto, afirma que os parâmetros considerados no estudo anterior não se aplicam mais. A saída da Eletrobras rompe o equilíbrio de responsabilidade acionária, que previa aporte de R$ 800 milhões por parte da antiga estatal privatizada e R$ 1,6 bilhão pela ENBPar. Agora, esse montante precisa ser redimensionado conforme a nova estrutura de capital.
O investimento já realizado em Angra 3 soma R$ 11 bilhões. Caso a obra seja encerrada, estima-se que a ENBPar tenha de reconhecer uma baixa patrimonial de R$ 3,3 bilhões, além da obrigação de pagar até R$ 14 bilhões para cobrir custos com a rescisão de contratos.
Custos de manutenção e risco patrimonial
A manutenção dos equipamentos estocados exige atenção redobrada. Boa parte das estruturas adquiridas nas últimas décadas permanece guardada sob vigilância, aguardando uso definitivo. Enquanto isso, os gastos acumulam-se sem retorno energético ou financeiro.
Segundo o MME, não concluir a obra representaria um passivo expressivo ao erário, além de gerar efeitos negativos no balanço da ENBPar. A não emissão da outorga da usina pode provocar ainda novas exigências de aportes emergenciais, agravando a pressão sobre o Tesouro.
Em um contexto de restrição orçamentária, a União ainda precisa decidir se absorverá a totalidade da participação financeira ou se alterará os parâmetros de endividamento do projeto. A resposta a essa pergunta determinará a nova matriz de riscos e retornos para o setor nuclear.
Estudo em reformulação e cronograma indefinido
O BNDES informou que parte do trabalho técnico realizado anteriormente será aproveitado, mas com reformulações profundas. As premissas originais, construídas com base na participação da Eletrobras, perderam validade. O banco deve agora calibrar os percentuais de capital próprio e endividamento conforme a nova realidade institucional.
Para isso, Eletronuclear, ENBPar, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Fazenda e Advocacia-Geral da União estão reunidos em grupos de trabalho. O objetivo é chegar a um consenso sobre os novos pilares da estrutura financeira da usina, permitindo a entrega de um segundo estudo ao CNPE.
A previsão do governo é de que esse processo seja concluído ainda em 2025. Mas, diante da divergência entre os ministérios e da falta de garantias sobre os recursos necessários, há incerteza quanto ao avanço das obras no curto prazo.
Viabilidade técnica sob questionamento
Além dos impasses administrativos, o projeto enfrenta críticas de setores civis e ambientais. A Articulação Antinuclear Brasileira alega que Angra 3 utiliza um modelo ultrapassado, representa riscos à biodiversidade e opera com custos elevados frente a outras fontes de energia.
Essas críticas se apoiam em um levantamento que avaliou mais de 16 mil projetos de infraestrutura no país. Segundo o estudo, apenas 0,5% das obras analisadas foram concluídas no prazo, dentro do orçamento e com os benefícios previstos. A dúvida quanto à capacidade do setor público em gerenciar empreendimentos desse porte alimenta a oposição ao projeto.
O cenário técnico também levanta dúvidas quanto à segurança da retomada. O tempo de paralisação, os ajustes regulatórios e a modernização de componentes eletrônicos e estruturais são desafios que exigem análise detalhada.
Questões de governança e confiança
A substituição do aporte da Eletrobras por recursos da União reacendeu discussões sobre governança pública em empreendimentos de alta complexidade. Desde sua privatização, a Eletrobras tem reforçado sua política de afastamento de projetos considerados fora do escopo corporativo atual, o que inclui Angra 3.
A entrada de novos membros do Executivo nos conselhos da companhia, como contrapartida pela saída do projeto, levanta questionamentos sobre o grau de interferência estatal nas decisões internas da empresa.
Para o setor elétrico, o caso Angra 3 funciona como um termômetro da disposição do governo em executar grandes projetos com financiamento público direto. E revela, ao mesmo tempo, os limites da participação privada em empreendimentos de alto risco regulatório e institucional.
Cronograma, orçamento e governança ainda indefinidos
Faltam ainda elementos essenciais para uma definição concreta sobre Angra 3. A ausência de um cronograma atualizado e de um orçamento validado por todos os órgãos envolvidos torna impossível prever quando, e sob quais condições o projeto pode ser retomado.
Sem isso, qualquer movimento em direção à retomada esbarra em insegurança jurídica, instabilidade política e riscos fiscais. O debate, neste momento, se concentra menos na engenharia da obra e mais na engenharia financeira e institucional da proposta.
A solução definitiva exigirá muito mais do que apenas uma decisão do CNPE. Ela depende de um novo acordo federativo, capaz de equilibrar interesses técnicos, orçamentários, ambientais e políticos em um mesmo projeto.
FAQ – Questões nucleares em pauta
1 – Qual é o status atual da usina nuclear Angra 3? Angra 3 está com as obras paralisadas e aguarda um novo estudo técnico para redefinir seu modelo de financiamento, após a saída da Eletrobras do projeto.
2 – Quem ficará responsável pelos aportes financeiros necessários? Com a Eletrobras fora do consórcio, a ENBPar se torna a única responsável pelo capital próprio. O governo ainda discute a possibilidade de rever os percentuais de financiamento e aporte público.
3 – Quais órgãos estão envolvidos na revisão do projeto? Eletronuclear, ENBPar, BNDES, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Fazenda e Advocacia-Geral da União estão diretamente envolvidos na reformulação do estudo.
4 – Quais são os principais argumentos contra a conclusão da obra? Críticos apontam riscos ambientais, custo elevado e viabilidade técnica ultrapassada, além da baixa taxa de entrega de grandes projetos de infraestrutura dentro dos parâmetros planejados.
5 – Existe previsão para retomada da construção? Ainda não. O governo espera concluir o novo estudo técnico até o fim de 2025, mas não há cronograma oficial definido para o reinício das obras.