O licenciamento da obra de derrocamento da hidrovia Araguaia-Tocantins, assinado em maio de 2025 pelo Ibama, revisitou um debate jurídico e técnico que reacende o embate entre expansão logística e cumprimento de normativas ambientais e sociais. O MPF – Ministério Público Federal aponta irregularidades que podem comprometer a legalidade do empreendimento e o respeito a direitos assegurados pela legislação brasileira e por tratados internacionais.
Decisão judicial desconsiderada
A principal objeção levantada pelo MPF refere-se à existência de uma decisão judicial que exige a apresentação de estudos sobre o desembarque pesqueiro na região. O licenciamento atual não atendeu a essa determinação, ignorando um elemento considerado indispensável para a avaliação dos riscos ao ecossistema e à atividade pesqueira tradicional.
Em processos anteriores, o Judiciário já havia reconhecido a relevância desses estudos como condição para qualquer avanço na instalação da hidrovia. O descumprimento, portanto, não é apenas uma irregularidade técnica, mas uma afronta direta ao princípio da legalidade administrativa.
Condicionantes da licença prévia ignoradas
Além da violação da decisão judicial, a licença de instalação emitida pelo Ibama desconsidera cláusulas da licença prévia, que estabelecia obrigações específicas a serem cumpridas antes do início das obras. Tais obrigações, conhecidas como medidas condicionantes, visam mitigar danos e assegurar o atendimento a critérios ambientais mínimos.
Segundo o MPF, houve descuido técnico e administrativo na verificação do cumprimento dessas condicionantes. A emissão da nova licença sem a devida fiscalização compromete a credibilidade do licenciamento ambiental e fragiliza o controle institucional sobre intervenções de grande escala.
Consulta prévia não realizada
Outro ponto crítico é a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas e tradicionais afetadas pela obra, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, norma com força de lei no Brasil. O procedimento, essencial em projetos com potencial de afetar modos de vida e territórios, não foi conduzido.
A ausência desse diálogo reforça a percepção de que os impactos socioculturais não foram tratados com a devida seriedade. Povos ribeirinhos e pescadores artesanais, cuja subsistência depende da integridade do rio e de seu entorno, permanecem sem voz no processo decisório.
Fragilidade institucional exposta
A sucessão de falhas evidenciadas pelo MPF revela um contexto de fragilidade institucional. A pressa em liberar empreendimentos com forte apelo econômico vem se sobrepondo à necessidade de rigor técnico e jurídico. O caso da hidrovia Araguaia-Tocantins é ilustrativo desse desequilíbrio.
Entidades como o Ibama enfrentam pressões de diversos setores interessados na liberação de grandes obras. Sem respaldo técnico robusto e sem garantias legais, decisões como essa expõem o licenciamento ambiental a contestações e inseguranças jurídicas recorrentes.
Interesses em colisão
A hidrovia Araguaia-Tocantins é defendida por setores do agronegócio e da indústria como uma alternativa de escoamento para a produção da região Centro-Norte. Sua concretização reduziria custos logísticos e abriria novas rotas fluviais, em especial para grãos e minérios.
No entanto, o avanço do projeto sem o cumprimento rigoroso das etapas legais reforça a tensão entre os interesses de infraestrutura e os direitos socioambientais. A busca por eficiência logística não pode suprimir normas de proteção e participação democrática.
Responsabilidades institucionais
O MPF reiterou que a legalidade do licenciamento ambiental exige o cumprimento estrito de normas previamente estabelecidas. O descumprimento pode levar à judicialização do processo e à suspensão das obras, gerando incertezas para investidores e prejuízos ao Tesouro Nacional.
A conduta do Ibama será analisada em instâncias superiores, e o Judiciário poderá intervir caso constate omissão ou negligência no procedimento. Também está em avaliação a eventual responsabilização de gestores públicos envolvidos na emissão da licença.
Transparência e participação como eixos centrais
O episódio reforça a importância de um licenciamento ambiental pautado pela transparência e pela participação social. A ausência de consultas, a omissão de estudos obrigatórios e o descumprimento de condicionantes corroem a confiança em processos decisórios e ampliam a distância entre Estado e sociedade.
Um modelo legítimo de desenvolvimento requer que grandes intervenções sejam analisadas de maneira integrada, considerando não apenas sua viabilidade econômica, mas também os riscos ambientais e sociais que envolvem.
O caso da hidrovia Araguaia-Tocantins explicita uma série de falhas procedimentais que desafiam a integridade do licenciamento ambiental no Brasil. A atuação do MPF cumpre o papel de zelar pelo cumprimento das normas legais e garantir que os direitos das populações tradicionais e do meio ambiente sejam respeitados. A credibilidade institucional, o rigor técnico e a legalidade devem ser inegociáveis em empreendimentos com potencial de causar mudanças profundas nos territórios amazônicos.
Perguntas Frequentes
1 – O que é a obra de derrocamento na hidrovia Araguaia-Tocantins? É um processo de remoção de rochas submersas no leito do rio, necessário para permitir a navegação de embarcações comerciais.
2 – Por que o MPF considera a licença ilegal? Porque ignora uma decisão judicial que exige estudos pesqueiros, desrespeita condicionantes da licença prévia e não realizou consulta prévia às comunidades afetadas.
3 – Qual o papel do Ibama nesse processo? Cabe ao Ibama analisar, conceder e fiscalizar licenças ambientais, garantindo o cumprimento das normas técnicas e legais para proteção ambiental e social.