No passado, a determinação da verdade ficava a cargo da religião. No presente, a determinação da verdade fica a cargo da ciência. Quando deixamos de questionar uma verdade posta, significa que essa verdade é obsoleta e precisa ser questionada e revista. Significa, especificamente, que estamos perante um dogma, ou seja, uma afirmação não adequadamente justificada, encarada como verdadeira.
Enquanto a verdade estava a cargo da religião, justificava-se a herança genética do poder e da propriedade. Todavia, ainda temos resquícios disso, notoriamente, com a herança patrimonial. Esse tipo de herança não parece fazer absolutamente nenhum sentido, sobretudo quando consideramos a verdade posta atual da meritocracia.
Ao menos no âmbito religioso a verdade era eterna e imutável. Agora, a cargo da ciência (leia-se direito, engenharia, medicina, etc), a verdade assumiu um caráter transitório e dinâmico, passível de transformação à medida que o conhecimento científico se expande e novas descobertas emergem.
Sabemos que durante séculos, sob o olhar atento da religião, a ciência avalizou e passou pano em práticas imorais como a escravidão. Portanto, nem a ciência nem a religião são capazes de determinar uma verdade duradoura, mas sim transitória e conforme o interesse hegemônico vigente na sua época.
A verdade também não é regida pela democracia, não sendo, pois, guiada pela vontade da maioria. Se assim o fosse, a verdade não teria sido determinada pela vontade divina ou pela ciência. A opinião da maioria, portanto, interessa muito pouco. Menos ainda interessa a opinião de uma só pessoa.
Ciência, religião, opinião e leis parecem ser guiadas pelo interesse dominante e do mais forte. A verdade, portanto, parece estar na filosofia, no exercício da razão, mais especificamente. Se está na filosofia, não interessa o Regime de Contratação, se EPC, Preço Unitário ou qualquer outro: todo serviço feito precisa ser remunerado. Não interessa se um Contrato prevê ou não que os serviços têm de ser pagos: eles tem que ser pagos independente do Contrato.
Analogamente, não interessa se está escrito no Contrato que o Empreiteiro se responsabiliza pelos “eventos futuros”. Nesse caso, socorremo-nos da religião: O futuro a Deus pertence.
Mas se o Contrato afirma que serviços adicionais somente serão remunerados se houver um termo aditivo assinado, isso também tem de ser rejeitado, pois a dinâmica da infraestrutura não permite que termos aditivos sejam firmados a cada serviço adicional. Serviços adicionais têm de ser remunerados de forma inequívoca e definitiva.
E se houver um erro no Contrato relativo a preços, por exemplo, então tal erro precisa ser corrigido, seja com o Empreiteiro a cargo do trabalho, seja com outro Empreiteiro que fará o trabalho no preço correto. O que não pode acontecer, eticamente falando, é o serviço ser feito pelo preço errado. Evidentemente, a totalidade dos preços tem de ser avaliada.
Precisamos romper esses mitos, mito do preço global, mito do preço EPC, mito da autorização por escrito do serviço adicional. Não se executa serviço adicional sem projeto e, obviamente, esse projeto foi feito e aprovado por engenheiros de ambos os lados.
Precisamos ser críticos, e parar de acreditar injustificamente no que nos dizem. Devemos adotar Kant, com o pensamento da Crítica da Razão Pura:
“Só a crítica pode cortar pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos fortes, o fanatismo e a superstição, que se podem tornar nocivos a todos e, por último, também o idealismo e o ceticismo, que são sobretudo perigosos para as escolas e dificilmente se propagam no público”
Afora disso, não passamos de massa de manobra na mão dos determinadores da verdade, verdade que reside oculta em nossas mentes, nas suas profundezas e da qual temos que diuturnamente questionar.
Comecemos pelos regimes de Contratação, verdades fabricadas, que escravizam nossas empresas, levando em última instância à escravização de nossos operários, elo mais fraco da corrente.
Se assim comecemos, talvez um dia questionemos o estigma presente em nossa indústria, por exemplo quanto ao ofício de servente. Se o indivíduo não tem qualquer qualificação e virtude além de sua força e subserviência ele é um servente. Essa subserviência e força desumaniza-o e o coloca no status dos animais. Intencionalmente, não se engane o leitor, pois só assim, desprovido de humanidade, pode ser justificada a sua remuneração com um salário mínimo ou pouco mais que isso.
Se esse artigo confrontou suas ideias formadas, significa que você precisa rever suas verdades, que não são suas, mas que alguém colocou na sua cabeça. Obrigado por chegar até aqui na leitura.
*O autor é engenheiro, administrador, possui MBAs e estudou no Brasil, Europa e Oriente Médio. Contribuiu para sua formação os ofícios de servente, encarregado, técnico de nível médio e engenheiro.