A Itaipu Binacional, que opera sobre uma das mais emblemáticas obras de engenharia do mundo, se tornou alvo de um embate jurídico e doutrinário. Um caso recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (RO 275/PR)1 reacendeu o debate sobre a natureza jurídica das empresas supranacionais e a incidência das normas nacionais sobre seus atos, em especial a Lei das Estatais (Lei n. 13.303/2016).
Empresas Supranacionais, como a própria denominação sugere, transcendem os limites das jurisdições nacionais, sendo constituídas por Tratados Internacionais. Em linhas gerais, estas empresas seguem regramentos próprios e não se sujeitam automaticamente à legislação interna dos países signatários. O art. 71, V, da Constituição Federal estabelece que a fiscalização das contas nacionais dessas empresas pelo Tribunal de Contas da União depende do que for estipulado no tratado constitutivo. Esta previsão gerou muitos questionamentos acerca do alcance do controle estatal sobre tais entidades.
O caso apreciado pelo STJ teve origem em uma ação popular que questionava a nomeação de um conselheiro da Itaipu Binacional pelo Governo Brasileiro. O autor sustentou que a escolha do indicado deveria observar os requisitos da Lei das Estatais, especialmente no que tange à experiência técnica e sujeição à quarentena imposta a ex-dirigentes partidários. A União e a própria Itaipu contestaram a pretensão, alegando que a empresa, por sua natureza supranacional, não se submeteria à jurisdição brasileira.
O STJ manteve a sentença de improcedência da ação, reforçando que a Lei n. 13.303/2016 se aplica apenas a empresas estatais nacionais e sociedades de economia mista, não abrangendo entidades como a Itaipu Binacional. Ainda, foi destacado que embora a legislação brasileira possa reger atos unilaterais do Governo Nacional em relação à empresa, isso não autoriza a expansão de normas internas sobre sua estrutura de governança, salvo previsão expressa no tratado constitutivo, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.2
No julgamento, também se analisou a jurisprudência acerca do controle exercido pelo Tribunal de Contas da União sobre Itaipu. Durante anos, o entendimento predominante era de que o TCU não poderia fiscalizar suas contas por falta de previsão específica no tratado.
Essa tese foi superada nos Acórdãos 88/2015-TCU-Plenário3 e 1.014/2015-TCU-Plenário, que avaliaram a relação da Eletrobras com a Itaipu Binacional. Naquela ocasião, reconheceu-se a competência constitucional do TCU para fiscalizar os recursos nacionais aplicados na empresa, independentemente da existência de regramento específico. Em outras palavras, a fiscalização do TCU ganhou autonomia e não depende mais da vontade dos países signatários do tratado de constituição da empresa supranacional.
Ao limitar a competência do TCU, o Relator Ministro Afrânio Vilela fundamentou que “mesmo a previsão constitucional de controle externo pelo Tribunal de Contas da União – TCU sujeita a atividade fiscalizatória sobre a empresa a previsão em tratado”.
Com isso, a decisão do STJ reforça que a natureza jurídica da Itaipu Binacional impõe limites à incidência de normas sobre sua gestão, assim como à fiscalização por órgãos de controle nacionais. Isso não significa que o Brasil esteja impedido de regular as nomeações para cargos vinculados à empresa, mas que essa regulação deve observar os limites estabelecidos pelo tratado bilateral.

Autores: Luis Eduardo Serra Netto, Gabriel Gutierrez Haber Duellberg