A concessão da ferrovia Malha Oeste, em vigor desde 1996 sob responsabilidade da Concessionária Rumo Malha Oeste, entra em fase de encerramento definitivo. A decisão do TCU – Tribunal de Contas da União, publicada no fim de maio, exige a abertura de um novo processo licitatório, após constatar irregularidades e descumprimento de metas ao longo de quase trinta anos de operação. A medida anula qualquer tentativa de prorrogação antecipada do contrato e confronta diretamente o requerimento de solução consensual apresentado pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres.
A ferrovia, com 1.973 km de extensão, atravessa os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, conectando Mairinque a Corumbá, e está há anos no centro de debates envolvendo abandono, incapacidade operacional e reiteradas promessas de revitalização. A decisão do TCU é lida como um divisor técnico, que recoloca a Malha Oeste no debate público sob outra perspectiva jurídica.
[H2] TCU desfaz tentativa de acordo extrajudicial
O principal ponto de inflexão do caso é a rejeição do modelo de solução consensual proposto pela ANTT, que previa alterações substanciais no contrato vigente. Entre as seis propostas discutidas, estava a devolução de 1.600 km da ferrovia à União e a prorrogação do contrato atual por mais 30 anos, além da execução de obras em diversos trechos e inclusão de novos ramais.
Segundo análise da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos do TCU, as modificações não apenas desfiguraram o contrato original, mas também ferem a legalidade prevista na Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), na Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) e na Lei 13.448/2017, que trata das prorrogações antecipadas de concessões no setor de infraestrutura.
O tribunal declarou que a prorrogação não poderia sequer ser considerada, já que o concessionário não cumpriu os indicadores de desempenho e manutenção contratual. A decisão confronta ainda o parecer do presidente do próprio tribunal, o que evidencia o grau de controvérsia institucional.
Alterações contratuais desprovidas de base legal
Ao revisar os termos da proposta consensual, o TCU destacou que se tratava de uma remodelação completa da operação ferroviária, com novos segmentos, novas metas técnicas, obrigações inéditas de manutenção e reconfiguração da malha sem respaldo legal no contrato vigente.
Entre as intervenções previstas, estavam:
- Recapacitação de 47 km nos trechos entre Corumbá, Ladário, Agente Inocêncio e Porto Esperança, mantendo bitola métrica;
- Rebitolagem de 300 km, entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, para conversão à bitola larga;
- Construção de 55 km de ramal para conectar a fábrica da Suzano, ao sul de Três Lagoas, ao contorno ferroviário do município;
- Construção de novo trecho de 89 km ligando Três Lagoas a Aparecida do Taboado, conectando à Malha Norte.
Esses elementos, segundo o tribunal, criam um novo modelo de exploração ferroviária, caracterizando, de fato, uma nova concessão, o que exige obrigatoriamente licitação pública.
Concessão sem cobertura jurídica
A análise técnica concluiu que qualquer tentativa de manter o atual concessionário no processo, mesmo com adaptações, seria juridicamente insustentável. Isso se dá não apenas pela ausência de cumprimento das metas previstas no contrato original, mas pela tentativa de contornar o rito licitatório obrigatório para novos empreendimentos.
A manifestação da ANTT até o momento foi limitada à promessa de revisar as considerações do TCU e, se necessário, responder formalmente ao tribunal. Internamente, porém, o entendimento da secretaria especializada do TCU já é claro, não há espaço legal para a manutenção do modelo proposto.
A decisão do TCU também confronta interpretações mais amplas sobre a chamada solução consensual, apontando que esse mecanismo não pode ser utilizado como atalho processual para substituição de modelos de concessão com histórico de inadimplência técnica.
Municípios à espera de novas diretrizes
A Malha Oeste, ao longo de seus 1.973 km, conecta 58 municípios, muitos dos quais localizados em áreas com forte produção agrícola e demanda por escoamento ferroviário. O trecho de Três Lagoas, por exemplo, se tornou alvo prioritário de expansão da malha por conta da presença de grandes complexos industriais, como o da própria Suzano.
A ausência de investimentos ao longo dos últimos anos, sobretudo no Mato Grosso do Sul, comprometeu a infraestrutura já existente. Desde julho de 2020, quando a concessão perdeu sua vigência formal, o serviço entrou em colapso funcional. A malha tornou-se inoperante em grandes trechos e o material rodante, inservível.
Agora, com a perspectiva de uma nova licitação, técnicos avaliam que o edital poderá incluir obrigações mais rigorosas, cronogramas definidos para recuperação da infraestrutura e avaliação de novos operadores, com experiência comprovada em malhas similares.
Expectativas para o novo edital
O processo licitatório deverá contemplar a recuperação do que foi abandonado, e a avaliação criteriosa dos trechos economicamente viáveis e da integração da Malha Oeste com outras ferrovias operacionais, como a Malha Norte. Também está em discussão a viabilidade de um novo trecho dedicado exclusivamente ao setor industrial de celulose, algo que havia sido sugerido informalmente por gestores da iniciativa privada.
O desafio, neste momento, recai sobre a formatação do edital, que será conduzido sob supervisão do Ministério dos Transportes, em articulação com a ANTT, e com a constante vigilância do TCU. Os termos devem conter exigências que previnam repetições do ciclo anterior, incluindo penalidades rigorosas por descumprimento e metas públicas verificáveis.
A ferrovia é considerada relevante para o escoamento de cargas que trafegam entre o oeste paulista e o eixo fluvial do Rio Paraguai, cruzando polos logísticos que, se interligados corretamente, podem equilibrar o transporte nacional com menor pressão sobre a matriz rodoviária.
Agenda regulatória em foco
O episódio da Malha Oeste evidencia a crescente atenção do TCU sobre processos de renovação antecipada de concessões. A postura do tribunal, neste caso, reforça uma jurisprudência técnica no sentido de restringir acordos que desvirtuem o processo licitatório.
A agência reguladora entra agora sob pressão redobrada para refinar seus modelos contratuais e estabelecer regras mais transparentes para futuras prorrogações ou devoluções parciais de malhas inoperantes. Ao mesmo tempo, o caso se soma a uma série de debates sobre o uso adequado da Lei 13.448 e seus limites práticos.
FAQ sobre a nova licitação da Malha Oeste
1 – Qual a principal irregularidade identificada pelo TCU no contrato da Malha Oeste? O TCU apontou que a concessionária não cumpriu metas técnicas mínimas de desempenho e manutenção, impedindo qualquer prorrogação contratual nos moldes da Lei 13.448.
2 – A proposta de solução consensual será descartada definitivamente? Embora a ANTT tenha sinalizado que analisará a decisão, o entendimento jurídico dominante no TCU é que a proposta é juridicamente inválida e não poderá ser reaproveitada.
3 – Quais são os próximos passos para a ferrovia Malha Oeste? O Ministério dos Transportes deverá elaborar novo edital de concessão, incluindo novos trechos, metas e exigências operacionais, respeitando o rito licitatório determinado pelo TCU.