O baixo nível das águas do Rio Paraguai, que recentemente atingiu seu menor registro em 124 anos, está impondo desafios ao setor econômico de Mato Grosso do Sul, em especial para a indústria de mineração. Com o nível do rio em Ladário marcando 69 centímetros abaixo do zero, a navegação tem sido impossível, paralisando por mais de dois meses a movimentação pela hidrovia e colocando em risco a exportação de minérios da região.
A dragagem do rio, ou mais precisamente, o deslocamento dos bancos de areia que obstruem as rotas de navegação, é vista como essencial para restabelecer o transporte de minérios, o que poderia viabilizar um faturamento anual de R$ 5,1 bilhões à empresa de mineração J&F. No entanto, questões regulatórias e ambientais têm impedido a realização dessa intervenção.
Veto à dragagem: questões ambientais e necessidades econômicas
A principal voz que ecoa a favor da dragagem é a do deputado estadual Paulo Duarte (PSB), que representa a região e manifesta grande preocupação quanto aos prejuízos econômicos e sociais que a suspensão da navegação tem causado. Segundo Duarte, o bloqueio do transporte de minérios implica uma perda bilionária para Mato Grosso do Sul, afetando diretamente a arrecadação de tributos e a manutenção de empregos. Em Corumbá, cidade estratégica para o escoamento de produtos pela hidrovia, a mineração gera cerca de três mil empregos diretos, consolidando-se como o segundo maior empregador, atrás apenas da prefeitura.
O Ibama, responsável pela regulação ambiental, ainda não autorizou a dragagem, alegando a necessidade de estudos mais aprofundados de impacto ambiental (EIA Rima), o que poderia demorar de dois a três anos. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a operação proposta para o Rio Paraguai não consiste na retirada de areia, mas no deslocamento desses sedimentos para outros locais do leito do rio, com o objetivo de criar passagens seguras para as embarcações.
Impacto na exportação e arrecadação
A hidrovia do Rio Paraguai é uma rota essencial para o escoamento de minérios produzidos em Mato Grosso do Sul, que tem na J&F um de seus principais operadores. Em 2024, o volume transportado já foi reduzido em 41% em comparação ao mesmo período do ano passado, passando de 5,27 milhões para 3,13 milhões de toneladas. Essa diminuição reflete diretamente nas receitas e na capacidade de exportação, já que a maior parte da produção mineral é destinada ao mercado internacional.
Caso o fluxo de exportação seja normalizado, a cidade de Corumbá tem a expectativa de arrecadar cerca de R$ 120 milhões por ano apenas com a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), o que corresponde a 12% do orçamento anual do município. Esse número poderia ser ainda maior quando somados os impostos federais, estaduais e municipais gerados pela atividade de mineração, com projeções que ultrapassam R$ 810 milhões ao ano.
Propostas de alternativas e necessidade de estudos ambientais
O Dnit propôs a intervenção conhecida como “manutenção de calado”, que exige o reposicionamento de bancos de areia em 18 trechos críticos entre Corumbá e Porto Murtinho. Dessa forma, o rio poderia se tornar navegável durante todo o ano, em vez de estar disponível apenas por cerca de oito meses, como acontece atualmente.
No entanto, técnicos do Ibama e outras autoridades ambientais argumentam que é necessário avaliar o impacto dessa intervenção na fauna e flora locais, que compõem o ecossistema pantaneiro. A demora causada pela análise e aprovação do EIA Rima representa um impasse entre a necessidade econômica da região e as diretrizes de proteção ambiental. Duarte, por sua vez, defende que a proposta de desassoreamento não interfere no nível do rio nem compromete a vazão das águas, e tem buscado mobilizar o governo federal a aprovar essa medida.
A pressão política e o papel do governo federal
O deputado Paulo Duarte tem liderado os esforços para garantir a aprovação da dragagem do Rio Paraguai, destacando que sem essa medida a J&F poderá interromper suas operações na região, gerando impacto direto na economia e no sustento de milhares de famílias. Duarte, inclusive, não descarta a possibilidade de recorrer ao Judiciário, caso as demandas locais não sejam atendidas, uma medida que poderá intensificar o debate nacional sobre o equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico.
Financiamento e desafios do Novo PAC
O Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) garantiu R$ 95 milhões para a execução da dragagem no Rio Paraguai, com a liberação inicial tendo sido anunciada pelo presidente do Ibama no meio do ano. No entanto, devido às condições adversas do rio e à necessidade de estudos complementares, os trabalhos ainda não começaram.
Com a aprovação do Novo PAC, o Dnit chegou a se preparar para iniciar a intervenção em setembro, mas os estudos de impacto ambiental exigidos por técnicos federais atrasaram os planos.
A continuidade da paralisação na hidrovia traz consigo uma série de desafios para Mato Grosso do Sul, onde o impacto financeiro da mineração vai muito além das receitas. Além das perdas diretas em exportação e arrecadação, a paralisação ameaça a estabilidade de empregos e o desenvolvimento da infraestrutura local. O impasse em torno da dragagem do Rio Paraguai reflete a complexidade da integração entre desenvolvimento e sustentabilidade, um desafio que requer articulação entre governo, empresas e comunidades locais para que uma solução eficaz seja alcançada.