A taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, é o principal instrumento de política monetária do Brasil e funciona como a taxa básica de juros da economia. Quando o Copom eleva a Selic, o objetivo central é conter a inflação, encarecendo o crédito e desestimulando o consumo. Por outro lado, quando a taxa é reduzida, busca-se estimular a atividade econômica, facilitando empréstimos e impulsionando investimentos produtivos e consumo.
Para as empresas, uma Selic alta representa capital mais caro para investimentos e expansão, podendo frear contratações e crescimento. Se os impactos da mudança da taxa já são relevantes para a economia no curto prazo, no longo prazo o efeito da volatilidade da taxa mostra-se ainda mais significativo.
Uma das características intrínsecas dos contratos de infraestrutura de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) é seu longo prazo de duração, que frequentemente se estende de 20 a 30 anos, período durante o qual a Selic pode passar por diversos ciclos de alta e baixa.
Conforme noticiado recentemente pelo Valor Econômico, em função de mudanças recentes na taxa de juros, o Ministério dos Transportes deverá rever a taxa de retorno dos novos projetos de concessões. Segundo o ministro: “Não adianta querer conceder rodovia se o investidor tiver uma rentabilidade menor do que deixando dinheiro parado no banco”.
A taxa de retorno, parâmetro essencial para a avaliação de atratividade de projetos pelo setor privado, combina a taxa Selic (representando o custo de oportunidade livre de risco) com um spread adicional que reflete o risco específico do projeto. Quanto menor a Selic, menor será a taxa de retorno exigida para viabilizar investimentos, influenciando diretamente as decisões de alocação de recursos.
Por seu papel fundamental na estruturação financeira dos contratos, a Selic serve como base para determinar variáveis cruciais como tarifas de concessão, contraprestações do poder público e valores de outorga. Esse componente, somado ao spread de risco, constitui a referência de remuneração necessária para fazer frente ao conjunto de obrigações contratuais, estabelecendo os parâmetros econômicos que orientam a relação entre o investidor e o projeto.
O problema é que a definição desses parâmetros toma por base a fotografia momentânea de uma taxa que vem apresentando elevada volatilidade no curto prazo. A Selic estava em torno de 14% ao ano em 2016, caiu para 6,5% em 2018, diminuiu ainda mais para 2% em 2020 e voltou a subir fortemente desde então, estando atualmente em patamar superior a 14% ao ano.
Tal fato gera distorções em ambos os sentidos. Se, por exemplo, a taxa Selic estiver baixa no momento da modelagem do contrato, as tarifas (ou outro mecanismo de remuneração) serão definidas considerando essa taxa reduzida. No caso de elevação da taxa, os juros sobem e a concessionária não terá fluxo de receitas suficiente para fazer frente aos encargos assumidos, especialmente financiamentos atrelados à Selic. Uma vez que o financiamento destas obras geralmente envolve valores expressivos, com amortização de longo prazo, esse tipo de projeto é extremamente sensível às variações na taxa básica.
No setor aeroportuário brasileiro, vimos exemplos concretos desse problema. Concessionárias que arremataram aeroportos na segunda rodada de concessões enfrentaram dificuldades significativas quando a Selic subiu de forma expressiva anos depois. O que parecia um negócio viável com juros de 7,25% ao ano em 2012 tornou-se extremamente desafiador quando a taxa atingiu 14,25% em 2016.
Por outro lado, caso a Selic esteja elevada no momento da modelagem, as tarifas (ou outro mecanismo de remuneração) serão definidas considerando essa taxa mais alta. Nesse caso, mesmo havendo posteriormente a redução da taxa básica de juros, o contrato continuará a ser remunerado tendo por base uma rentabilidade livre de risco superior, ocasionando maiores desembolsos dos usuários ou do poder público frente ao que seria verificado no caso de um novo contrato.
A expectativa da Tendências Consultoria é que a taxa Selic siga em elevação, atingindo o patamar de 15% em junho, sustentando-se nesse patamar até o início de 2026, quando o Banco Central deve iniciar movimento gradual de queda. Para o final de 2026, a expectativa é de que a taxa esteja em 13%. Os riscos, entretanto, são elevados, em especial tendo em vista o novo contexto internacional, marcado pelos efeitos adversos da política do governo Trump para a economia global. Para o médio e longo prazos, com expectativa de inflação mais alinhada à meta de 3%, a projeção é de que a taxa Selic oscile entre 8,5% e 9%.
Diferentemente de outros eventos exógenos ou extraordinários, a variação da taxa básica de juros não costuma ser tratada como fator de desequilíbrio dos contratos. A mudança da taxa em si não seria nem um evento de desequilíbrio, mas sim uma mudança do próprio parâmetro de equilíbrio do contrato. Juridicamente, tratar desse aspecto torna as discussões extremamente complexas.
Assim, surge um desafio: enquanto a volatilidade da taxa Selic afeta sensivelmente a viabilidade financeira dos contratos de longo prazo, os mecanismos de resiliência contratual que estão sendo implementados atualmente, como compartilhamento de riscos de demanda, câmbio e preços, não podem ser utilizados para lidar com o efeito da variação da taxa livre de riscos.
Para a economia brasileira – com agendas relevantes ainda a serem endereçadas, como a questão fiscal, e sujeita aos solavancos da economia global, em especial com as mudanças atualmente em curso –, é difícil visualizar cenários de curto, médio e longo prazos com maior previsibilidade para a evolução da taxa Selic. Assim, tendo em vista a necessidade de ampliação dos investimentos em infraestrutura, a questão necessita ser mais bem endereçada.
* Alessandra Ribeiro é sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial na Tendências Consultoria. Mestre em Economia e Finanças pela FGV e Bacharel em Ciências Econômicas pela Unicamp.
** André Paiva é consultor na Tendências Consultoria. Mestre em Economia Aplicada pela ESALQ/USP e Bacharel em Ciências Econômicas pela FECAP. Possui MBA em Gestão Financeira e Econômica de Tributos pela FGV.
*** Fábio Tieppo é consultor na Tendências Consultoria. Mestre em Teoria Econômica pela FEA/USP. Bacharel em Engenharia de Produção pela POLI/USP e em Direito pelo Mackenzie, com pós-graduação em Administração de Empresas pela FGV.
Por: Alessandra Ribeiro, André Paiva e Fábio Tieppo