O princípio base
A administração contratual é uma disciplina que envolve a gestão de todos os aspectos dos contratos celebrados por uma empresa ao longo de um projeto. Embora seja frequentemente tratada como uma área predominantemente “jurídica”, a prática mostra que ela vai muito além do simples cumprimento das cláusulas contratuais e da formatação de registros e documentos.
Envolve, de maneira integrada, aspectos técnicos, financeiros, operacionais, de planejamento e, claro, legais e agrega alto valor aos projetos, pois atua proativamente como um “guardião” não apenas do cumprimento das obrigações previstas em contrato, mas também da integridade, da estratégia e da lucratividade do negócio.
Sua importância se manifesta em diversos pontos:
Mitigação de riscos de interface: Em projetos complexos (com múltiplas disciplinas e fornecedores), os pontos de interface entre diferentes contratos podem ser brechas para conflitos ou sobreposições de responsabilidade. A administração contratual busca identificar e mitigar esses riscos, promovendo a integração de todas as partes envolvidas e garantindo que cada uma cumpra o seu papel.
Minimização de custos adicionais: Ao acompanhar de perto o progresso do projeto, os administradores contratuais podem detectar possíveis desvios no escopo, prazos ou execução, evitando pedidos de adicionais injustificados. Isso envolve analisar cuidadosamente solicitações de mudança e contrapor demandas de terceiros, sempre dentro dos princípios de ética e de conformidade legal.
Prevenção de oportunismos: Com regras claras de fiscalização e embasamento técnico e legal, reduz-se o risco de práticas oportunistas. O profissional de administração contratual deve manter vigilância constante para que, a qualquer sinal de oportunismo autar de forma a mitigá-lo.
Maximização de resultados: Além de prevenir custos extras, a administração contratual identifica oportunidades de otimização e ganho. Por exemplo, ao negociar aditivos ou realinhar escopos, pode-se agregar valor ao cliente principal (ou stakeholder) e, ao mesmo tempo, assegurar melhores margens de lucro à empresa.
Garantia de escopo: Mas o principal é entender que a função primordial dessa área é zelar para que o escopo original seja rigorosamente cumprido ou, caso ocorram mudanças, que elas sejam formalmente aprovadas e registradas de forma proativa.
Assim, evitam-se litígios futuros e problemas de conformidade que possam prejudicar o andamento ou a entrega final do projeto.
Em suma, a administração contratual não se limita a “policiar” cláusulas legais; ela contribui ativamente para o sucesso do empreendimento ao integrar e direcionar esforços, manter a execução alinhada ao planejado e apoiar a tomada de decisões estratégicas. Isso tudo, aliado à consciência ética e ao atendimento ao escopo, faz com que essa disciplina seja indispensável para empresas que desejam conduzir projetos de maneira eficiente, segura e lucrativa.
[h3] Dos anos 80/90: A evolução da administração contratual ao longo das últimas décadas tem sido bastante marcante.
Nos anos 80/90, era comum que a gestão de contratos ficasse centralizada na matriz da empresa, e a presença de um responsável no campo se restringia, muitas vezes, ao preenchimento de relatórios diários de obra (RDO) com simples apontamentos.
Com certeza, havia uma controladoria de medição x faturamento.
Correspondências formais eram algo raro, normalmente redigidas com forte apoio do departamento jurídico e, no máximo, complementadas por atas de reuniões de metas. Características da cultura predominante na época.
Do momento atual: A evolução do cenário de administração contratual nos últimos anos é notável. Se antes a área era considerada quase um “apêndice” jurídico dentro das empresas, hoje ela se transformou em um verdadeiro pilar estratégico.
A combinação de margens cada vez mais reduzidas, competitividade acirrada, rigor em compliance e a pressão por decisões rápidas exige dos profissionais de administração contratual uma atuação muito mais próxima do projeto, com visão de negócio e capacidade de integrar diferentes setores (técnico, financeiro, jurídico, suprimentos, entre outros).
Por outro lado, o avanço tecnológico trouxe consigo um arcabouço de ferramentas que auxiliam na gestão efetiva e na produção de registros de forma mais célere e confiável. Softwares de planejamento, análise de dados e automação documental reduzem o retrabalho, facilitam a comunicação entre as partes e fornecem um rastro de auditoria completo para dar embasamento a alterações, formalizar aditivos e mensurar a performance do contrato.
Além disso, clientes e fornecedores (contratantes e contratados) passaram a assimilar essa cultura de forma mais natural.
Em parte, isso ocorreu por imposição — seja de normas internas ou de clientes, seja de requisitos regulatórios e de compliance —, mas também porque perceberam que a boa administração contratual não é apenas um custo, e sim uma fonte de valor.
Ela contribui para a mitigação de riscos e passivos, além de criar potenciais ativos por meio da identificação de oportunidades de otimização, melhor alocação de recursos e negociação mais precisa de alterações contratuais.
Sempre oriento aos meus clientes e parceiros: mitigue potenciais passivos e maximize potenciais ativos, logicamente com todo o fundamento necessário previsto no direito e na boa-fé com que as partes devem conduzir seus contratos.
Entretanto, sempre haverá oportunismos de ambas as partes que precisam ser controlados, além de necessidades e equalizações por equidade, face a questões comerciais e institucionais de parcerias empresariais, ou simplesmente soluções boas ou más derivadas das próprias questões de cultura empresarial das empresas relacionadas entre si pelo contrato, ou até pela própria necessidade do avanço físico do projeto.
Do desafio de implantação da Administração Contratual
Dentro desse contexto, surge o seguinte desafio: a princípio, pode parecer simples delegar a administração contratual a um engenheiro de planejamento ou de medição, contando apenas com o suporte do departamento jurídico interno, e acreditar que isso baste para dar conta de todas as demandas.
Entretanto, a realidade mostra que essa abordagem não é suficiente para gerir adequadamente os riscos, oportunidades e interfaces que se apresentam no decorrer de um projeto, exigindo, portanto, um nível de especialização e integração muito mais amplo do que apenas o cumprimento de formalidades ou o respaldo legal.
Deve-se ter em conta que a administração contratual de um projeto de infraestrutura requer, no mínimo, três níveis de atuação.
Do nível estratégico: Primeiro, há um nível estratégico que, dependendo do porte do contrato, pode ser exercido pelo Gerente de Projeto ou até mesmo pela Diretoria, pois é preciso focar mais no negócio de engenharia do que apenas na execução em si.
Em projetos de grande porte, recomenda-se delegar essa função a um “segundo” na obra — um profissional sênior que não acumule nenhuma outra responsabilidade no organograma, pois precisa de tempo para analisar, interagir com as áreas internas, o cliente, os fornecedores e a própria matriz.
Além disso, esse especialista deve ter conhecimento de princípios jurídicos aplicados a contratos de infraestrutura, sendo extremamente analítico e ponderado nas tomadas de decisão.
Da Coordenação: O segundo nível de atuação deve ser exercido por um profissional de coordenação, responsável por gerenciar o dia a dia do setor sem necessariamente executar cada tarefa. Esse coordenador precisa conhecer todos os contratos e entender como se relacionam, elaborar relatórios e análises para subsidiar as decisões do administrador sênior, do gerente de divisão e do gerente de obra, além de assegurar a qualidade dos registros e o arquivamento de documentos.
Da Operação: No entanto, “coordenar” não significa, de fato, “fazer” tudo. Esse profissional deve saber como operar sistemas e coletar informações, mas deve contar com uma equipe de auxiliares técnicos encarregados do trabalho operacional de preencher RDOs, organizar documentos, elaborar planilhas e bancos de dados, entre outras tarefas.
E acreditem: é aí que está a base de tudo, e onde oportunidades ou perdas acontecem. Somente com uma equipe operacional dando suporte ao coordenador é que este poderá ter tempo de coordenar e analisar as informações, bem como amadurecer no caminho de se tornar um profissional sênior.
Da motivação da equipe: Na administração contratual, a melhor escola é o aprendizado por meio de casos reais.
A motivação dos profissionais envolvidos na administração contratual — desde os níveis operacionais até os cargos de coordenação e sênior — é um fator crítico de sucesso.
Trata-se de um trabalho de alto valor agregado, mas, infelizmente, com resultados que só se materializam a médio e longo prazo, o que torna ainda mais desafiador engajar a equipe.
Para os profissionais mais novos, a ansiedade típica do início de carreira se soma à rotina frequentemente considerada “monótona” de registros e relatórios, tornando complexa a tarefa de inspirar comprometimento.
Mas é justamente nessa aparente monotonia que reside a importância estratégica do controle e da formalização, cabendo ao gestor sênior e ao coordenador criar formas de manter a equipe motivada e consciente do impacto que esse trabalho terá na solidez e na rentabilidade dos projetos.
A boa notícia é que existe um lugar comum: após vivenciar o sucesso de seu primeiro claim do início ao fim, o profissional passa a ter uma percepção mais profunda do valor da administração contratual.
No futuro pode se dedicar à área ou, ainda que siga outro caminho ao longo da carreira, permanece reconhecendo a relevância desse trabalho e o mérito de toda a equipe envolvida.
Do engajamento empresarial: Por fim, não podemos deixar de mencionar que o sucesso da equipe de administração contratual está diretamente ligado ao comprometimento da alta direção. O corpo executivo não apenas precisa apoiar a gestão de contratos, mas também deve incorporar seus princípios à cultura corporativa, oferecendo suporte institucional e investindo em treinamentos complementares.
Nesse sentido, é essencial incentivar engenheiros a aprofundarem conhecimentos em princípios jurídicos contratuais, societários e regulatórios, ao mesmo tempo que se fomenta, em advogados, uma compreensão mais ampla da lógica operacional e de engenharia.
Embora as decisões empresariais contemplem variáveis além da lógica estritamente contratual, o respaldo e a interação com esse núcleo são cruciais para minimizar riscos, alinhar interesses e maximizar resultados.
Assim, delegar, acompanhar e principalmente integrar estas equipes ao dia a dia da organização tornam-se pilares fundamentais de uma gestão que articula visão de longo prazo, solidez nas informações e engajamento coletivo, promovendo a eficiência e a motivação das equipes.
