Em homenagem ao início desta nova fase do que nasceu como um grupo de apaixonados e se transformou em um relevantíssimo Portal de Notícias e troca de Opiniões, eu e o Caio Watanabe, integrante do time de Mercado de Capitais do nosso Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados, trazemos nossa visão sobre uma ferramenta financeira que consideramos essencial para a financiabilidade dos necessários Projetos de Infraestrutura do nosso País.
No último dia 17 de julho, o Ministério dos Transportes publicou a Portaria nº 689, que disciplina requisitos e procedimentos para enquadramento e acompanhamento de projetos de investimento prioritários no setor de infraestrutura de transportes rodoviário e ferroviário para fins de emissão de debêntures incentivadas (criadas pela Lei nº 12.431 – Debêntures Incentivadas) e de debêntures de infraestrutura (criadas pela Lei nº 14.801 – Debêntures de Infraestrutura).
Nos termos da Portaria, poderão emitir Debêntures Incentivadas ou Debêntures de Infraestrutura, a pessoa jurídica, constituída sob a forma de sociedade por ações, titular do projeto ou sua sociedade controladora. Os projetos deverão fazer parte do escopo de um contrato de concessão, subconcessão, permissão, autorização ou arrendamento, ou de seus projetos associados, no setor de transporte rodoviário ou ferroviário.
Como já previsto na legislação anterior, o volume financeiro total de Debêntures emitidas não poderá ser maior que o montante equivalente às despesas de capital necessárias para sua realização. Porém, a grande inovação da Portaria foi considerar como despesas de capital inclusive aquelas relacionadas à outorga dos empreendimentos e aportes em contas vinculadas ao contrato.
Os projetos de investimento que estiverem no escopo de um contrato de autorização ferroviária, regida pela Lei nº 14.273, de 23 de dezembro de 2021, só poderão ser enquadrados como prioritários se o objeto da autorização tiver licença prévia emitida pelo órgão ambiental competente.
Outra inovação trazida foi a de que os projetos de investimento ou os contratos a que estejam associados deverão prever: “I – investimento em mitigação de emissões de gases de efeito estufa, transição energética ou implantação e adequação de infraestrutura para resiliência climática, com vistas à adaptação às mudanças do clima; e II – mecanismos de gestão do impacto da infraestrutura nos povos e comunidades afetados”.
O enquadramento no inciso I, acima, será automático para os projetos de investimento no setor ferroviário. Já para o setor rodoviário federal, basta que os contratos se enquadrem na Portaria nº 622, de 28 de junho de 2024, do Ministério dos Transportes.
Caberá à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) regulamentar, no âmbito federal, os requisitos técnicos objetivos de enquadramento de contratos e de projetos de investimento, de forma a dispensar a necessidade de atestação específica para cada projeto nos incisos acima.
A Portaria estabeleceu prazos para que os requisitos acima sejam obrigatórios para qualquer emissão de Debêntures, sendo que, para: (a) projetos de investimento federais, somente será exigível após doze meses contados da data de entrada em vigor da Portaria; (b) projetos de investimento subnacionais, somente será exigível para contratos cujos editais de licitação tenham sido publicados após dezoito meses contados da data de entrada em vigor da Portaria; e (c) projetos de investimento subnacionais inseridos no escopo de um contrato de autorização, somente será exigível para contratos assinados após doze meses contados da data de entrada em vigor da Portaria.
Considerando que o setor de transporte corresponde a quase 20% do total de emissões de Debêntures Incentivadas já feitas até hoje e que as novas concessões devem dobrar a malha viária existente nos próximos anos, existe uma alta expectativa do setor para utilização também das novas debêntures o quanto antes. Fato é que a portaria do Ministério dos Transporte deve servir de “guia” para os demais setores, que devem procurar trazer regras menos burocráticas para as novas emissões.
Segundo o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, a Portaria corrige o que não estava funcionando no passado e cria dispositivos de sustentabilidade e transparência. “Estamos falando de previsibilidade para investidores, as novas regras simplificam todo o processo. Acredito que o mercado de debêntures tem um grande espaço para crescer nos próximos anos. A expectativa é de um aumento em até três vezes no volume de emissões, podendo alcançar R$ 30 bilhões em novos investimentos até o final do ano, incluindo aí R$ 24 bilhões em três otimizações de contratos de concessão rodoviária”, explicou.
De fato, até maio deste ano já foram emitidas Debêntures Incentivadas, em montante superior a R$ 30 bilhões, sendo que a estimativa do mercado é que esse volume possa superar os R$ 100 bilhões ainda este ano, considerando todos os setores abrangidos. Segundo informações da ANBIMA, a captação total em debêntures (inclusive não incentivadas) já superou os R$ 160,6 bilhões em ofertas. Do volume total, 31,9% foram para gestão ordinária e 25,6% para infraestrutura1.
Isso se deve a fatores como, a mudança recente da Lei nº 12.431, com a criação das novas Debêntures de Infraestrutura, também a alteração das regras pelo Conselho Monetário Nacional, restringindo os lastros de outros títulos incentivados como os CRI, as LIG, as LCI, os CRA e as LCA (Resoluções CMN nºs 5.118 e 5.119, de fevereiro de 2024), e, por fim, ao aumento na tributação de fundos fechados exclusivos (Lei nº 14.754/23).
Como já mencionado acima, uma das grandes inovações no regramento das Debêntures Incentivadas que têm contribuído para o aumento das emissões foi a dispensa de aprovação ministerial prévia de projetos nos setores prioritários. Além disso, o reembolso de despesas relacionadas aos projetos, que até então somente poderiam retroagir até 24 meses do encerramento da oferta, poderá ser aumentado gradativamente para: (i) 36 meses a partir de fevereiro de 2025; (ii) 48 meses a partir de fevereiro de 2026; e (iii) 60 meses a partir de fevereiro de 2027.
Por sua vez, o Ministério de Minas e Energia (MME) não divulgou uma portaria nova sobre o tema, mas foi o primeiro ministério a realizar uma divulgação sobre o tema, logo após a edição da Lei das Debêntures de Infraestrutura, publicando um passo a passo para as companhias de geração de energia por fonte renovável e de minigeração distribuída poderem enquadrar seus projetos para a emissão de debêntures com incentivo fiscal2. Além disso, disponibilizou em seu site3 o procedimento automático para enquadramento como prioritário, nos termos da Lei 12.431, da Lei 14.801 e do Decreto 11.964, nas áreas de: (i) infraestrutura de geração de energia por fonte renovável, setor indicado como prioritário nos termos do artigo 4º, inciso II, alínea “a”, do Decreto 11.964; e (ii) minigeração distribuída, setor indicado como prioritário nos termos do artigo 17 do Decreto 11.964 e do artigo 28 da Lei 14.300.
Até o final do ano passado, o mercado de geração distribuída vinha se utilizando de emissões de CRI (que também podem ser emitidos nos termos da Lei nº 12.431, assim como as cotas de
FIDC), para financiar os projetos, mas com as limitações impostas pelo CMN, esse mercado começou a buscar fontes alternativas de financiamento. Muitos emissores já começaram a utilizar as Debêntures Incentivadas para continuar a acessar o mercado, podendo, inclusive, utilizar-se do procedimento acima para já emitirem Debêntures de Infraestrutura.
O Ministério de Portos e Aeroportos submeteu à audiência pública, no início deste mês, a minuta de portaria para disciplinar os procedimentos, critérios e condições complementares para enquadramento, acompanhamento e fiscalização dos projetos considerados como prioritários no setor de logística e transportes de competência do Ministério de Portos e Aeroportos, para fins de emissão de debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura. A minuta estabelece que ficam dispensados de aprovação ministerial prévia os seguintes projetos: “(i) desenvolvidos no âmbito dos contratos de arrendamento e concessões federais; e (ii) desenvolvidos no âmbito dos contratos de concessão de serviço público de titularidade dos entes subnacionais.
Ainda, na mesma linha da Portaria do Ministério dos Transportes, o Ministério de Portos e Aeroportos também incluiu como despesas de capital, e portanto, que podem ser objeto da destinação de recursos das Debêntures, as despesas com outorga e aportes em contas vinculadas.
Muito ainda se espera das portarias que estão por vir, mas o fato é que, a depender do “bolso” que se espera atingir, as Debêntures Incentivadas e as Debêntures de Infraestrutura podem ser títulos mais vantajosos que os outros, ainda mais, se considerarmos que os FI-Infra passarão a ter alocação mínima de 85% de seu valor de referência (e não mais patrimônio líquido) em Debêntures, mantido o percentual de 67% nos dois primeiros anos.
Outro ponto relevante para a oferta destas debêntures está na atratividade das taxas, já que normalmente as debêntures chegam ao mercado com IPCA mais 7%. O momento de mercado para as Debêntures é muito bom, inclusive para a entrada de novos emissores, até mesmo para novas estruturas de risco, já que os investidores estão procurando mais papéis incentivados devido à diminuição nas emissões de CRI, CRA e etc.
Da mesma forma, os fundos exclusivos têm aumentado seu apetite pelas Debêntures e terão ainda mais pelas Debêntures de Infraestrutura, já que essas últimas poderão ter uma remuneração ainda mais atraente para os investidores, sem penalizar os próprios emissores.
Em resumo de todo o exposto, acreditamos na Infraestrutura, na sua essencialidade para o Brasil e nos animamos com a evolução desta importante ferramenta de financiamento, que podemos considerar ainda subutilizada.
DUARTE GARCIA, SERRA NETTO E TERRA ADVOGADOS
Luis Eduardo Serra Netto, sócio fundador
Caio Watanabe Rocha de Mello, Associado Sênior